quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

UM SONHO ASSASSINADO




Acaba o bloco do Esporte no Bom Dia Paraíba. Sigo para o intervalo do café. Enquanto duram os bons goles e a salutar conversa entre amigos, nem imagino o que virá depois. Ao voltar à Redação, uma pequena investigação me é apresentada como desafio. Eu precisava achar os parentes do menino Cauã Victor, de sete anos de idade, morto com um tiro nas costas quando voltava de moto da escola para casa. A ideia era mostrar a comoção familiar, os amigos, vizinhos, enfim, o clima e os efeitos de mais uma tragédia produzida pelo caos social em que vivemos.

Primeira parada: Gerência de Medicina e Odontologia Legal de João Pessoa, mais conhecida como IML. Alguns colegas da imprensa já no local. Procuro o pai do menino, que aguarda a liberação do corpo do filho caçula. Com a cabeça encostada em um carro do estacionamento, ele ainda não acredita no que aconteceu. Após alguma resistência, o choro aflora entre clamores por justiça e lembranças da inteligência e vivacidade do garotinho. "A mãe dele me ligou pedindo pra eu retornar. Quando liguei, ela disse que precisava da minha ajuda, pois nosso filho tinha sido morto", contou o manobrista de 31 anos.

De lá, o caixão simples é levado à funerária para que o corpo seja preparado antes de seguir à igreja evangélica que a família frequenta. Nesse meio tempo encontro a casa da avó do menino, onde a mãe, tias, primos e amigos estão desesperados. E chega a parte mais difícil do meu dia: ver uma mãe segurar a foto do filho assassinado pedindo que ele volte da escola, como ela espera desde quando soube do crime. "Moço (assim se dirigia a mim), ele só tinha sete aninhos. Moço, ele era um anjo. Como é que vai ser minha vida agora, moço?" Ali eu tinha certeza de que estava diante da maior dor que um ser humano pode sentir: uma mãe chorando a morte violenta de um menininho que só começava a viver.

Os olhos do também pai começam a marejar. Mas não consigo falar muito. Na verdade, não adianta dizer nada. Nada apaga ou apagará a devastação inominável daquela mulher em prantos, que perdeu o direito, pelas mãos de um bandido, de exercer o sagrado papel de mãe. 

No velório, o caixão, as lágrimas incontidas e ao lado a bateria da banda da igreja. Era o objeto que simbolizava o sonho de Cauã. O menino queria aprender a tocar para fazer parte, um dia, do grupo de louvor. Não deu tempo. Não nessa vida, pelo menos. Foi mais um sonho assassinado pela violência. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

CÁRCERE SOCIAL


                                Foto: Francisco França - Jornal da Paraíba


Qual é a primeira palavra que te vem à cabeça ao ver essa cena? Que tipo de sentimento ela desperta? Há alguns que vão dizer que não é novidade e já apareceu em várias reportagens. Não choca mais. Muita gente nem liga, essa é a verdade! Sabemos que os presídios brasileiros são, em sua maioria, um depósito de vidas desgraçadas onde não há mais vagas, mas elas aparecem assim mesmo. Tem de aparecer! A foto acima é do Penitenciária Flósculo da Nóbrega, em João Pessoa, o famigerado "Presídio do Roger". Mas poderia ser em qualquer lugar, pois o retrato do Sistema Penitenciário no Brasil é o resultado do enxugamento de gelo que é a Segurança Pública. 

E agora eu vou começar a explicar por quê. No nosso país, segundo pesquisa da Academia de Letras do Brasil, os estados brasileiros gastam por ano, em média,  R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais) com um preso. Isso é NOVE vezes mais do que é gasto com um aluno do ensino médio brasileiro anualmente, que é apenas de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais). 

Ou seja, quando você investe mais nas consequências do que na raiz de um problema, não raro ele permanecerá causando grandes tormentos. Se uma lógica até matemática funcionasse, os investimentos seriam na linha inversa, onde o estudante seria valorizado com boas escolas desde cedo em tempo integral. Isso daria a chance de um menino não ir para as ruas pedir dinheiro no sinal e se misturar com quem já está nas drogas e no crime. As estatísticas mostrariam, como acontece em países mais sérios, que essa criança teria uma projeção de alcançar uma profissão, de formar uma família e viver longe das grades de uma cadeia. E, com menos gente encarcerada, os gastos com o Sistema Prisional seriam bem menores, sobrando dinheiro, inclusive, para dotar essas instituições de melhor infraestrutura, segurança, tecnologia e pessoal qualificado para o trabalho.

Conversando com policiais durante as reportagens, muitos relatam, fora do ar, que trabalham sabendo que colocam a vida em risco em vão. Eles têm a consciência de que a lei vai deixar poucos na prisão por muito tempo. E que amanhã ou depois vão se topar com o mesmo criminoso em uma esquina qualquer, ainda mais revoltado. A tão aclamada "ressocialização" já não chega a ser nem mais uma utopia. É um conceito que parece ter morrido nas páginas amarelas dos livros empedernidos de Sociologia.

Então, quer dizer que a Segurança Pública gasta com viaturas, manutenção dos prédios, salários, combustível, capacitação, armas, munições e outras necessidades para quê? Só para fingir que estamos seguros? Só sei que não estamos! Os presídios estão cheios demais, as ruas entupidas de bandidos e o Estado Brasileiro com resoluções de menos, pois enxuga o gelo da Insegurança da Nação amontoando vidas em uma penitenciária. E desse jeito não conseguirá enxugar uma lágrima sequer de quem é vítima da violência. Assim, é preciso refletir e cobrar algo diferente, pois essa imagem é como um espelho da nossa sociedade. Nela, de uma forma ou de outra, todos somos detentos.