terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O PULSO AINDA QUER PULSAR



Mãe: "Onde você estava, Mariazinha?"
Mariazinha: "Eu estava brincando de médico com Juquinha".
Mãe: "O quê???? Você vai apanhar, sua danada!"
Mariazinha: "Calma, mãe! Ele era médico do SUS, nem olhou na minha cara!"


       Quando eu tinha dezoito anos, fui acometido de uma Apendicite Aguda. Era um sábado à tarde e, quando fui levado ao hospital, estava amarelo, com olhos fundos e febre de quase quarenta graus. Tudo que ingeri coloquei pra fora naquele dia. As dores no baixo ventre eram fortes. Os sintomas se mostravam clássicos. Mas eu estava diante do SUS. O médico do plantão, um senhor com mais de sessenta anos, palpou meu abdômen e me fez gritar com as poucas forças que ainda me restavam. Não foi o bastante para ele. Disse que eu estava com alguma infecção intestinal ou coisa do tipo. Prescreveu uma injeção para a dor e me mandou tomar um soro fisiológico. Fiquei mais algumas horas na unidade de saúde e fui pra casa. Passei a noite um pouco aliviado, mas na outra manhã não aguentava nem falar. O apêndice havia se rompido e eu estava (agora sim!) com uma infecção daquelas. Voltei ao hospital. E com as devidas demoras no atendimento só fui operado por outro médico no domingo à tarde. A cirurgia, com um dia de atraso, durou uma hora a mais que o normal por causa da gravidade da situação. Escapei naquele dia. Só que menos de uma semana depois tive outra infecção no mesmo local devido à demora na primeira cirurgia. Era para eu ter sido operado no sábado, com o primeiro médico. Mas ele não achou que deveria, por imperícia ou por má-vontade mesmo. Para resumir, passei mais um mês entre hospitais, exames e curativos invasivos horripilantes até me safar de vez. Sobraram apenas as cicatrizes na barriga que tanto estimo. O médico que não fez minha cirurgia quando poderia morreu alguns anos depois.
       O tempo passou, anos passaram. Um senhor de quem gosto muito, Seu Joaquim, tem Catarata. Não enxerga muito mais que vultos hoje em dia. Ele brinca que se pela de medo de fantasmas, mas que se passar um na frente dele nem vai saber, pois vê tudo embaçado mesmo... E, como não havia outra forma, Seu Joaquim procurou o SUS para tentar fazer a correção na vista. Entrou numa fila desgraçada, daquelas que ele só não desistiu porque nessa fila você espera em casa mesmo. De preferência, sentado. E depois de muitos meses chegou o bendito dia da cirurgia. Mas não sabia o contente idoso que teria uma grande surpresa. Ele foi até o hospital na certeza de sair de lá com a visão recuperada, para voltar a ver a vida. E aquele grandioso momento foi interrompido pelo som de uma voz desafetuosa que informou que o médico não tinha comparecido ao seu plantão. E pior: como os procedimentos cirúrgicos são marcados pelas datas, e não pela vez, ele teve de marcar outra data, alguns meses à frente. Voltou para casa com sua frustração e com seus fantasmas. O principal deles, o do descaso.
       É sério o que acontece com a Saúde e com os hospitais. O HU de Campina Grande está quase fechando. Mais de duzentos funcionários estão com contratos encerrando ou em tempo de se aposentar. Amanhã ou depois vai parar de funcionar e pronto? Onde estão as autoridades? Como ficam os pacientes? Quem deixou a situação chegar a tal absurdo? É claro que muita gente foi e é salva pelas unidades do SUS e outras que também atendem pelo sistema. Mas é natural que haja, entretanto, os atendimentos a contento. Afinal, tantos hospitais, tantas verbas, tantos profissionais trabalhando. O que é duro de aceitar é a falta de HUMANIZAÇÃO. Começando por quem faz as leis. Parece que quem tem condições de ir ou levar parentes para se tratar no Albert Einstein ou no Sírio-Libanês não se importa com o que acontece com Seu Joaquim e com quem tem algo pior. E por isso não há pressa em fazer crescer a qualidade da Saúde neste país. Sem falar no disparate absurdo dos desvios de verbas públicas que deveriam salvar e melhorar vidas. Quando passamos ao que acontece nas unidades, vemos que profissionais que tratem seus pacientes com afeto é uma raridade, quando era pra ser uma regra. Afinal, são seres humanos convalescendo, sofrendo, precisando de apoio e de confiança para seguir adiante. E mais triste é ver como o tratamento muda quando chega alguém de uma classe social privilegiada. Se para cada profissão tem um juramento, na Saúde é lutar pela vida, atender e cuidar do bem maior que temos. Porque, sinceramente, é difícil ser tratado como um "Zé Ninguém" ao mesmo tempo em que somos nós mesmos que financiamos a vida de quem nos tem em tão baixa conta.





                   Letra dos anos 80 que parece feita hoje. Tudo a ver!







7 comentários:

  1. Me surpreendo com seus títulos instigantes..rsrsrs
    Fico sempre curiosa em saber do que se trata.
    Bom, acho que os profissionais de hj só querem ganhar o seu, nao estão nem aí para o outro. Os médicos antigamente, pelo que conheço, não eram dessa qualidade. Além disso, eram profissionais não só de uma área, eram clínicos de tudo.
    O governo não fica fora disso tbm, o descaso é grande...ultimamente está em tudo né, educação, saúde....
    Acredito que nós enquanto cidadãos deveríamos reivindicar nossos direitos que estão assegurados na Constituição, ou será que ela é apenas mais um papel?
    Falta conhecimento do povo sobre seus direitos e deveres! Eu sempre reclamo daquilo que está errado e tento ter aquilo que é de meu direito. Se todos fizessem o mesmo, a pressão ia ser grande e consequentemente eles teriam que ceder.

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  2. Eu penso como você, Mariana. Não é preciso apenas ter conhecimento dos nossos Direitos. É uma necessidade premente fazermos com que eles se concretizem. E só vamos conseguir cobrando, exigindo, esperneando e denunciando os desmandos.

    E quanto aos títulos das postagens, não pense que são fáceis de achar. Demora quase tanto quanto o texto. hehehe Grande abraço!

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  3. É, como diriam os Titãs, na voz inconfundível de Arnaldo Antunes, "o pulso ainda pulsa", apesar de todo esse descaso com a saúde pública. Costumo radicalizar a ponto de dizer que doença num país como o Brasil é previlégio de rico, não cabendo ao pobre esse "direito". Muito bom esse seu texto, Plínio, parabéns!

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  4. O Direito do pobre termina quando começa o do rico. Já que estamos lembrando o rock dos anos 80, "Que país é esse?", como diria o inesquecível Renato Russo.

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  5. É meu amigo, eu tb sei o que é ser desprezada pelos médicos, e nesse caso, nem falo do SUS... Eu sei que existe um problema grave de estruturação na rede pública de saúde, mas sei tb que a classe médica está esquecendo que estão ali para cuidar de seres humanos...

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  6. Dinheiro e status falam mais alto para muitos profissionais.

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  7. É aos seus 18 anos você passou e nos deu um grande susto. Mas Graças a Deus tivemos a felicidade de ter um final feliz independente do descaso que você passou com os médicos. Acho que muitos médicos se esquecem que um dia fizeram um juramento prometendo salvar vidas independente de qualquer coisa, independente de classe social. Mas agora eles só querem saber do dinheiro que vem na frente.E de não cumprir seus horários determinados nos seus plantões, querem sim no fim do mês receber seus 3 ou 4 mil reais por mês sem nem se quer cumprir com seus deveres. Mas isso se deve a partir do chefe dos hospitais que muitos não cobram e certamente fazem as mesmas coisas. É muito triste saber que a saúde pública está a mercer de muitos Médicos como estes e de um governo que não cobra, vejo muito os médicos cobrar melhores salários, em alguns casos é justo mas em sua grande maioria para cobrar melhores salários eles podiam também atender melhor, cumprir realmente o seu dever a risca, tal qual como prometeu em seu juramento de formatura. A saúde pública é uma situação que indigna a toda população. O que nos podemos fazer apenas é rezar para não precisar desses profissionais.

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